"Quem tinha tempo para a poesia? Pois ela comprou um carrinho invisível e começou a catar palavrão" Rita Apoena

26.4.16

Sobre estar presa




Mais uma vez eu acordei, e mais uma vez ainda estou presa nesse mesmo corpo. Mesma história, mesmo passado, mesmas memorias, mesmas fotos, mesmos sentimentos. Por mais que eu queira esquecer tanta coisa, tudo isso me persegue todos os dias, sou estuprada toda manhã pelos meus fantasmas e pelo medo de continuar, pelo medo de parar, pelo medo de ir e de ficar. Respiro... vejo aquela imagem no espelho, cabelo, nariz, boca, 8 kg a menos, os ossos da clavícula saltam, parece que alguém sugou toda energia e beleza de uma vez só, marcas na alma, olheiras e pouco riso já são o suficiente para deixar transparecer mais uma noite em claro que passei, me torturando pensando o que não devia, esperado pelo dia em que vou acordar e me sentir confortável dentro desse corpo, conseguir gostar de mim de novo, me perdoar, me amar. Porque se nem eu consigo fazer isso, quem conseguirá?

22.4.16

Pode ficar se quiser




Querer você só pra mim é egoísta. Querer trancar você dentro de mim, sem deixar espaço pra você ser de mais ninguém é honesto, mas egoísta. Querer toda sua atenção, todos os olhares, os verbos, imperativos, mais-que-perfeitos e sobre tudo, futuros, é verdadeiro, mas muito egoísta.
Egoísta e mesquinho, porque uma vez que você era meu, e fez de si mesmo um lar pra me servir de abrigo, eu fechei a porta atrás de mim, preferí construir meu próprio mundo de cartas de baralho ao pé de uma janela.
Não precisou que todas as cartas caíssem de uma vez, uma só carta fez desmoronar toda estrutura fraca que era meu abrigo.
Fiz de ti uma ferida aberta exposta ao ácido. Fiz do tua dor não mais que duas linhas em meus textos. Fiz de ti a pessoa que mais me odiou nesses últimos anos.
Triste, pois eu que criei este Frankenstein que és, feito de pedaços do passado, do presente e do medo. Eu que te criei da forma mais bizarra e dolorosa possível. Fiz de ti uma colcha de retalhos, cacos colados aleatórios, sem beleza, sem forma, sem ordem... Uma bagunça.
E ainda assim tão egoísta que eu sou, te quis, sem te deixar respirar, sem te dar trégua, sem fechar a ferida, sem que, ao menos, tu pudesse se refazer. Te desfiz de novo, pendurei na sala novamente, incompleto, sem as peças do quebra cabeça, sem forma, sem verbo, sem futuro. Me fiz de abrigo, pequeno, apertado, desconfortável, você entrou com o receio de quem já escorregou em piso molhado, cada passinho de cada vez, até sentar-se no lugar mais próximo da porta, ficar perto da saída é mais confortável, eu entendo.
Mas saiba que dentro deste peito todos os espaços são seus, todas as paredes têm seu retrato, todo som tem tua voz, pode ficar e pendurar as chaves, e se precisar, a porta sempre estará aberta, para entrar e sair... Mas eu prefiro que fique.

17.4.16

Essa mala não te alça




Eu aceito mais essa bagagem, nessa altura do campeonato, aceitação é a palavra mais representativa. E eu vou levando como posso, como dá, entre uma lágrima e outra, a gente dá aquele sorrisinho de que está se conformando. Uma a mais, uma a menos não faz tanta diferença agora, nessa eu nem me dei ao trabalho em colocar "frágil, essa é uma daquelas memórias que preferimos que sejam extraviadas mesmo, que cheguem no destino aos pedaços, se possível. Hoje doeu. Doeu menos que ontem, talvez amanha doa um pouco menos. E assim são feito os cálculos de cada dia, contagem regressiva para o dia em que a dor será apenas aquela bagagem de mão que a gente carrega de vez em quando.